quinta-feira, setembro 28, 2006

Ideologia, eu quero uma pra votar.

Um conhecido comentou hoje entre amigos:

"É uma questão de pesar as coisas. Todo mundo vota de um jeito muito passional, não acho isso bom."

Concordo com isso em gênero, número e grau, até debaixo d'água.

Ideologia é um tipo absolutamente básico e necessário de valor humano, mas há muito tempo as pessoas perderam o senso real sobre o que é verdadeiramente uma ideologia. As pessoas acham que ter ideologia é ser torcedor fanático de um time de futebol, é seguir fervorosamente uma religião, é adotar um estilo de vida ou um padrão de comportamento... ou é escolher entre socialismo ou liberalismo, esquerda ou direita, PT ou PSDB.

A base de qualquer ideologia verdadeira é sempre racional, jamais passional. Uma ideologia sempre tem origem em um ideal, que por sua vez parte de uma idéia inicial e básica. Um referencial ideológico é na verdade um conjunto de valores e premissas que orientam os pensamentos e ações de um grupo de pessoas em prol de um objetivo comum. Esses valores são sempre o meio para se atingir um objetivo, ao contrário da paixão cega de um torcedor fanático ou de um militante político obstinado, em que o fervor pela causa é o objetivo em si.

A história nos mostra infinitos exemplos de ideologias puras: o liberalismo de Adam Smith, o comunismo de Karl Marx, a resistência pacífica de Ghandi, o Iluminismo. Todos foram movimentos que giravam em torno de um ideal fixo e que possuíam um objetivo estabelecido e claro.

Mas porquê eu estou dizendo tudo isso? Porque, falando em termos de democracia, eu não vejo com bons olhos a polarização que vem ocorrendo de uma década para cá no plano nacional da nossa política, da maneira como ela está acontecendo. Gradativamente vem se realizando uma antagonização política entre PT e PSDB (com seus respectivos partidos acessórios, e mais o PMDB-puta-velha, a reboque), mas que não vem acompanhada por uma antagonização ideológica.

Logo pra início de conversa, todos, absolutamente todos os partidos políticos brasileiros têm origem social-democrata (ou quase todos, confesso que não sei absolutamente nada sobre qual é o ideário do P-SOL, e não tenho a menor idéia se o minúsculo PCdoB é comunista mesmo). Embora haja muitos pontos de divergência entre eles, não há uma distinção básica entre os ideais partidários. Nossos partidos políticos não têm identidade, e nós não temos Opções reais, com O maiúsculo.

O que eu quero dizer com tudo isso é: escolher PT, PSDB, PMDB, é basicamente a mesma coisa, ainda mais em um país sem a menor vocação para fidelidade partidária e para referenciais ideológicos como é o nosso. Então, resta-nos nos ater aos detalhes.

Eu não votaria no PSDB, e votaria no PT, por uma imensa série de fatores que não cabe colocar aqui agora (mas podem ler a matéria de capa da Época de umas duas ou três semanas atrás, que boa parte dos meus motivos estão refletidos lá). Mas não vou votar no Lula no primeiro turno, e torço para que aconteça um segundo. Porque embora eu ache que o projeto do PT seja bem mais interessante para o país que o do PSDB, eleger o Lula no primeiro turno seria deixar passar totalmente impune tudo o que vimos de errado em seu primeiro governo, e eu acho que nós precisávamos mandar um recado do tipo "estou te dando uma segunda chance, mas não pense que eu esqueci o que você fez".

E já que estávamos falando sobre ideologias e paixões, vocês assistiram o "debate", afinal? Depois de hoje eu passei a ser ainda mais fã do Cristovam Buarque. Mais do que buscar ganhar a eleição (duh!), mais do que projeção pessoal, mais até do que projeção partidária para sobreviver à Cláusula de Barreira, o cara estava lá para expôr sua idéia, difundir seu ideal e fixar uma ideologia, e tudo com paixão sincera e na medida certa. E vocês querem saber do quê mais? Ele conseguiu! E no meu caso em especial, ele conseguiu me tirar de cima do muro na questão entre votar ou não no Lula no primeiro turno.

Não vou votar.